quarta-feira, 16 de março de 2011

O ministro da Agricultura pisou no pequi

Renata Carmago - Congresso em Foco
Ao reduzir publicamente o cerrado a “nada”, Rossi deixou evidente que a expansão destruidora desse bioma brasileiro, intensificada nos últimos anos, não tem sido feita de maneira aleatóriaO ministro da Agricultura, Wagner Rossi, pisou feio no pequi. Na semana passada, ao declarar que a expansão da fronteira agrícola nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia “não teria impacto ambiental nenhum”, pois “lá não tem nada, só cerrado”, Rossi cometeu um erro irreparável: além de ofender os amantes do pequi, deixou evidente qual a intenção do setor agropecuário sobre o cerrado brasileiro.

Pequi, para quem não sabe, é uma fruta característica do cerrado. De cor amarela, cheiro marcante e gosto peculiar, ele simboliza, entre outras coisas, a força e autenticidade desse rico bioma brasileiro. A árvore do pequi, o pequizeiro, é típica dessa vegetação. Tem galhos retorcidos, troncos com cascas grossas e folhas ásperas. Típico de regiões de solos ácidos e marcados por estações longas de seca.

Mas aqui não falo em “pequi” no sentido estrito da palavra. Não se trata de gostar ou não gostar daquela frutinha espinhosa – até porque, quanto ao gosto, ela divide opiniões. Falo do fato de o ministro ter ofendido milhões de brasileiros que entendem e respeitam um dos biomas mais complexos e fragilizados do país, o cerrado.

Apesar de ser tratado, muitas vezes, como o “primo pobre” de outros biomas ditos mais exuberantes, como o amazônico, o cerrado é considerado a mais rica dentre as savanas do mundo. Dos sete biomas do país, o cerrado abrange 24% do território nacional. Ele possui 5% de toda a biodiversidade mundial e, em suas chapadas, é onde estão localizadas as nascentes dos principais rios das bacias Amazônica, do Prata e do São Francisco.

Devido à intensa ocupação urbana e à expansão ostensiva da agricultura e pecuária, o cerrado passou a ser um dos biomas mais ameaçados do mundo. Segundo a Conservation International Brasil (CI-Brasil), dos pouco mais de 2 milhões de km² de vegetação original de cerrado restam no país apenas 20%. Pela análise de pesquisadores, se a destruição do bioma seguir no ritmo acelerado em que se encontra, até 2030 o cerrado corre o risco de desaparecer. Por minuto, segundo a CI-Brasil, quase três campos de futebol são desmatados no cerrado.

Menos pessimistas, mas tão alarmantes quanto, estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a preocupação quanto ao bioma cerrado não é por acaso. De acordo com estudo do órgão, divulgado no ano passado, quase metade da área original de cerrado não mais existe. Segundo o IBGE, mais de 986 km² dessa vegetação (48,37%) foi desmatada até 2008.

Ao reduzir publicamente o cerrado a “nada”, Rossi deixou evidente que a expansão destruidora desse bioma brasileiro, intensificada nos últimos anos, não tem sido feita de maneira aleatória, mas premeditada. Sua afirmativa revela que parte do alto escalão da República tem, sim, tomado suas decisões a partir de uma mentalidade ignorante de que o cerrado é menos “floresta” do que outras “florestas” brasileiras. Com essa mentalidade, considera-se que o cerrado então pode ser desmatado indiscriminadamente para a produção, especialmente de grãos, para supostamente “alimentar o mundo” – como se essa expansão ostensiva se tratasse de um favor à sociedade.

O cerrado precisa deixar de ser tratado como moeda de troca, em que se propõe a preservação da Amazônia, em troca da permissão para abrir novas fronteiras no cerrado. Essa mentalidade precisa ser extinta. Do contrário, a perda de biodiversidade, incluindo a vida humana, será incalculável. Não há mais como condicionar as decisões políticas com base nesse pensamento que mais deriva do século XIX.
 
*Formada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), Renata Camargo é especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Já atuou como repórter nos jornais Correio Braziliense, CorreioWeb e Jornal do Brasil e como assessora de imprensa na Universidade de Brasília e Embaixada da Venezuela. Trabalha no Congresso em Foco desde 2008.

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