segunda-feira, 9 de julho de 2012

Água em troca de votos


No Nordeste, candidatos aproveitama forte estiagem para retomar uma prática comum desde o início do período republicano: a compra de eleitores mediante promessas

Paulistana e Picos (PI)— convenções municipais para escolher os candidatos a prefeito movimentaram o sábado em todos os estados do Nordeste. Os partidos fechavam os últimos detalhes antes de lançarem oficialmente seus candidatos em meio à pior seca dos últimos 30 anos, e as promessas típicas de campanha incluem um item precioso para as famílias castigadas pela estiagem: acesso à água.
Na região, é comum os políticos se comprometerem com a instalação de cisternas, caixas d’água, tijolos para construção e abastecimento diário de água por carros-pipa. Alguns moradores já se cansaram das palavras que nunca resultam em ações. Outros cedem às promessas e, em troca, colaboram com a vitória do candidato nas urnas. A compra de votos é uma prática comum desde o início do período republicano no Brasil. E, para uma população que sofre anualmente com a seca, é difícil diferenciar direitos e deveres de benefícios e presentes.
O agricultor Gilson Alonso Carvalho, 30 anos, da comunidade rural de Data Serra Branca, próximo a Paulistana (PI), conta que já votou em uma vereadora do município piauiense porque ela prometeu os materiais necessários para a construção do telhado de sua casa. Gilson cumpriu sua parte no acordo, mas a política não.“Graças à ajuda dos meus pais, consegui o telhado. Não acredito mais em políticos.”
A irregularidade não se restringe aos políticos que lutam para chegar ao poder e inclui aqueles que fazem uso da máquina administrativa em benefício próprio. Em Data Serra Branca, moradores relatam que os carros-pipa só abastecem “aquelas casas que o prefeito quer”. Desde abril, Alvina Maria de Carvalho, 57 anos, mãe de Gilson, foi duas vezes à prefeitura fazer o cadastro para receber água e, até agora, não viu sequer uma gota. Para não morrer de sede, um grupo da comunidade construiu, com recursos próprios, um poço que custou R$ 5 mil.
Em Massapê, município em Picos, também no Piauí, os relatos são parecidos. Segundo Francisca Maria de Carvalho Costa, 40 anos, em ano eleitoral, os políticos visitam sua residência, mas ela não os deixa entrar. “Eles sabem que a gente não vende nosso voto”, justifica. Coincidência ou não, a casa da família é a única em uma comunidade de três outras casas que ainda não foi contemplada com energia elétrica .
Próximo dali, na comunidade da Chapada do Mucambo, 300 famílias convivem com as dificuldades diárias da falta de água. Do total de famílias, só 70 são abastecidas pelo carro-pipa contratado pela prefeitura. O veículo, propriedade de um cabo eleitoral do prefeito, é alugado a R$ 6mil pela prefeitura. Segundo relatos de agentes comunitários, os beneficiados com a água são eleitores do prefeito. Os moradores contam que os políticos intimidam as pessoas e abusam da ingenuidade da população. Um rapaz chegou a achar que tinha que votar no prefeito, pois havia uma câmera dentro da urna que fotografaria o voto dele.
Segundo o prefeito de Paulistana, Luís Coelho (PMDB), o abastecimento com carro-pipa é feito sem favorecimento. “A prefeitura atende por região. Às vezes a pessoa faz o cadastro, mas ainda não está na semana de abastecimento daquela região. Mas não existe favorecimento.”A prefeitura de Picos não retornou o contato da reportagem.
Direitos
Por conta dessas situações, os agriculturos rurais contemplados com cisternas do programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), da rede de organizações da sociedade civil Articulação no Semiárido (ASA), recebem capacitações frequentes. Os agentes explicam o que é um direito constituído por lei, como o acesso à água e o atendimento hospitalar, falam do voto secreto e de eleições limpas, entre outras coisas. Ainda assim, algumas pessoas participam da troca de voto. Adão Gonçalo dos Santos, 63 anos, confirma que o abastecimento de sua casa é feito pelo carro-pipa levado pelo prefeito do município. “Eu votei nele e votaria de novo. Porque quando a gente precisa, ele dá assistência”.

Paula Filizola, Correio Braziliense
http://www.asabrasil.org.br

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