domingo, 26 de agosto de 2012

Lençóis Maranhenses têm pior estiagem em mais de uma década

Última grande seca ocorreu entre 1997 e 1998, quando foi registrada uma das mais extremas ocorrências do El Niño no último século

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Meses de julho e agosto registram seca nas lagoas dos Lençóis Maranhenses, em Barreirinha
Foto: Flávia Milhorance / Agência O Globo

Meses de julho e agosto registram seca nas lagoas dos Lençóis Maranhenses, em Barreirinha Flávia Milhorance / Agência O Globo
O mês de julho chega, a chuva cessa, e as dunas brancas e finas dos Lençóis Maranhenses ficam entremeadas por milhares de lagoas azuis, num cenário difícil de se comparar a outro no mundo. É assim que os moradores de Barreirinhas, município mais próximo ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, estão acostumados a encontrar os 155 mil hectares de área preservada. Este ano o cenário mudou e, no lugar de lagoas, há areia e vegetação rasteira. É uma seca brava que, segundo dados do Laboratório de Meteorologia da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), parece se assemelhar à dos anos 1997 e 1998, quando foi registrada uma das mais extremas ocorrências do El Niño no último século.
Ainda de acordo com o órgão, a concentração de chuvas no Norte do estado, onde está localizado o parque e também a capital São Luís, ficou 54% abaixo do normal este ano. A área do parque, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), têm índice pluviométrico anual de 1.623 milímetros. Nos meses de fevereiro a maio, chove cerca de 90% do total anual. Em São Luís, a média é de 2.350 milímetros, sendo mil milímetros em apenas três meses. Para se ter ideia da seca, o mês de abril, normalmente o mais chuvoso, acumula 476 milímetros na capital. Este ano, porém, só chegou a 194 milímetros.
— Isto para o município de São Paulo é considerado muito. Mas para nós a média é muito mais alta, e não choveu nem a metade do previsto. Isto se estende por toda a região Norte do estado, e se reflete nos Lençóis, onde as piscinas naturais se formam em função do acúmulo de chuvas — explicou o meteorologista-chefe do laboratório da Uema, Gunter de Azevedo Reschke.
O ano no estado do Maranhão, assim como outros que fazem parte da região amazônica, é dividido basicamente em duas estações: o inverno, chuvoso, que vai de janeiro a junho; e o verão, seco, de julho a dezembro. Trata-se de um fenômeno geológico raro: um deserto repleto de dunas, algumas chegando a 40 metros de altura, adentrando cerca de 50 quilômetros ao continente e se estendendo por mais de 70 quilômetros de praias desertas. Abaixo das dunas maranhenses, há lençóis freáticos que são abastecidos no período das chuvas e que, de tão abundantes, afloram como lagoas de água doce. É isto que as diferencia de outros desertos espalhados pelo mundo: chove nos Lençóis até 300 vezes mais que no Saara, na África. Mais de 80% das lagoas são intermitentes, ou seja, secam durante o verão e voltam a encher no inverno. Este ano, porém, as lagoas Peixe e Verde foram as únicas que se mantiveram.
A seca deste ano ocorreu porque a chamada Zona de Convergência Intertropical, faixa de nuvens carregadas responsável por 70% das chuvas no Maranhão, que se movimenta próxima à linha do equador, não conseguiu se deslocar até o estado nordestino. Essas nuvens são influenciadas pela temperatura da superfície do Oceano Atlântico, e este ano, quando a temperatura do Atlântico Sul deveria ter se elevado, ela continuou baixa. Portanto, a zona de convergência permaneceu ao norte do Equador. O fenômeno é conhecido como Dipolo do Atlântico Sul negativo.
Segundo a professora do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Flávia Mochel a quantidade de chuvas dos Lençóis Maranhenses também sofre influência dos fenômenos El Niño (seca) e La Niña (chuvas torrenciais). Mas, segundo ela, o principal vilão da seca é o desmatamento. Um mapa de recursos naturais divulgado em dezembro de 2011 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o Maranhão foi o estado que desmatou com maior rapidez áreas de floresta desde 1980. Este estudo é restrito apenas aos estados que abrangem a Amazônia Legal, já o mapa de recursos naturais do país deve ficar pronto em 2014.
Atualmente, só restam 31% das áreas de floresta densa e 0,09% da floresta aberta (babaçu). É preocupante também a velocidade com que o Cerrado vem sendo devastado: a área já foi reduzida em 25%, passando de 74 mil quilômetros quadrados de vegetação natural para os atuais 57 mil quilômetros quadrados. No caso das florestas, segundo dados do IBGE, elas estão restritas basicamente a áreas protegidas.
— O desmatamento foi brutal nos últimos anos, principalmente por causa da soja e de outras indústrias, como a da celulose, com o plantio de eucaliptos. A chegada da monocultura atingindo justamente a parte de trás dos Lençóis, por exemplo nos municípios de Chapadinha e Vargem Grande.
Nos últimos três anos, houve aumento gradativo do número de turistas nos Lençóis Maranhenses, segundo do Ministério do Turismo. Em 2009, foram 439 mil visitantes; 2010 registrou 455 mil; e em 2011, foram contabilizados 296 mil. Dentre os turistas nacionais que visitam o destino, se destacam os de São Paulo, Rio de Janeiro e Pará. Quando se trata dos estrangeiros, os europeus se destacam, em especial franceses, italianos e portugueses. Os dados deste ano não foram fechados, mas segundo os pesquisadores e trabalhadores locais, a visitação ainda não foi afetada pela seca dos Lençóis, que continuam atraentes mesmo sem as lagoas.
Mas Flávia explica que a população do estado atravessa com frequência problemas de abastecimento de água:
— Os prejuízos são enormes, e o principal é o problema da recarga do aquífero. Hoje o Maranhão vive uma situação crítica de abastecimento, sempre temos racionamento. O sistema já é antigo e tem seus problemas, mas falando de modo geral, os poços artesianos estão com menos água.
O meteorologista Reschke também lista as consequências negativas da seca no estado:
— Houve prejuízos para a agricultura. Há duas semanas, inclusive, participei de uma reunião do Plano Safra, que é o programa de crédito para a agricultura de subsistência para comprovar que as chuvas ficaram abaixo da média e que os agricultores precisariam de ajuda extra. O solo está com deficiência hídrica; as plantas, secas; e a radiação solar, mais intensa — afirmou Reschke, que apontou para outro problema. — A umidade relativa do ar ficou em 30%, que é muito abaixo do normal. Além de ser ruim para a respiração, ainda favorece a ocorrência de queimadas. E o pior é que o período que deveria ter chuvas passou, agora a previsão é de perda de água até o final do ano, a tendência é piorar.
Reschke já se preocupa, inclusive, com a situação do próximo inverno:
— Em novembro, fazemos as previsões para os meses seguintes. Esperamos que o estado não seja afetado pelo mesmo fenômeno desse ano, que ainda pode se agravar com a ocorrência conjunta do El Niño.

globo.com

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