sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Semana do Cerrado: Um grito!




No dia 11 de setembro de 2012 um compromisso rotineiro me leva, mais uma vez, ao gerais de Formosa do Rio Preto. Saio cedo da cidade, acompanhado por dois homens criados e conviventes no cerrado. No carro, lamentam a carência da água na sua comunidade. “Faz pouco, nosso riacho levou muita água ao Rio Preto até no pique da seca. Hoje, suas águas não chegam nem na metade do caminho”. Passamos pela estrada que liga a BR 135 com a região da Coaceral. “Olhe este desmatamento aqui”, apontam os homens para o lado esquerdo. “Vai acabar com o restinho de água que o nosso riacho tem”. Combinamos uma olhada de perto. Beirando a área desmatada, seguimos quilômetros rumo à cabeceira da “Batalha”. Toda área é queimada; vimos um grupo de catadores, encarregado com a coleta braçal do material lenhoso restante. “Devem ser do Piauí. Ganham oito reais por hectare. Dá uma média de vinte reais por dia, as despesas aos custos deles.” Verificamos que a área desmatada estende-se da cabeceira do riacho do “Arroz” (outras vezes chamada cabeceira da “Batalha”) para o oeste. Entre a escarpa do chapadão – no lado sul – e a estrada acima citado – no lado norte – nada ficou em pé.


São quilômetros por quilômetros desmatados. “Falam de um projeto de dois mil hectares. Mas pelo visto, são ao menos vinte mil”, estima um dos acompanhantes. Voltamos à estrada e seguimos até o “Portal do Jalapão”. Ali, viramos para o lado do rio “Sapão”. Chegando na – bem precária – descida para o vale, reparamos a mata queimada no lado esquerdo. “Foi o fogo daquela queimada do desmatamento que vimos”, comentam os dois amigos que conhecem cada palma da região. As chamas tinham saltado, avançando pelas matas que beiram a borda do chapadão, queimando as cabeceiras dos rios “São José” e “Livramento” até chegar ao Rio Sapão. O fogo deixou um rasto cinzento de uns oitenta quilômetros. A quantidade de viventes mortos é incalculável.

Uma triste constatação, todavia um pouco arbitrária: Entre tantos desmatamentos recentes no cerrado do oeste baiano, às vezes de maior extensão ainda, por que citar justamente este? O motivo é simples e desolador: Colhi as observações citadas no dia 11 de setembro, Dia Nacional do Cerrado.


O desmatamento (chamada “supressão de cobertura vegetal”) está fora do controle no Oeste Baiano. Em 2009, o Ministério de Meio Ambiente publicou o “Relatório Técnico de Monitoramento do Desmatamento no Bioma Cerrado de 2002 a 2008”. Formosa do Rio Preto, São Desidério e Correntina lideram a escala dos municípios com as maiores taxas de desmatamento no cerrado brasileiro. O (leve) abalo durou pouco. Logo o agro-empresariado sobrepôs-se mais uma vez e conseguiu pautar o estrangulamento administrativo no âmbito das licenças ambientais como principal mal na agenda ambiental no oeste baiano.

Nesta lógica, o controle de desmatamento, a perda da biodiversidade, o rebaixamento e a poluição das águas, o esgotamento dos solos etc. vêm em segundo plano. É chocante como os governos acabam adotando tal ótica. Sabem dos eminentes problemas ambientais, mas satisfazem-se com o apaziguamento com o setor agroempresarial.  .

Como ilustração disto, cito o seguinte descaso. A fim de burlar a aquisição de licenças ambientais, cada vez mais produtores – assistidos por consultores expertos – assinam a chamada “Dispensa de Autorização para Supressão Vegetal - DASV” que, uma vez protocolado no INEMA (órgão ambiental do Estado), coloca o produtor em adimplência com a regulamentação ambiental. O próprio requerente da DASV declara que a área a ser desmatada já tinha sido cultivada anteriormente, a atividade fora abandonada e não se encontrava quantidade de lenha superior a quinze metros cúbicos por hectare na área a ser desmatada.  – Na sua recente fiscalização no cerrado regional, o IBAMA constatou que tais DASV estão sendo aplicadas em áreas absolutamente naturais, intactas, onde nunca ninguém tinha cultivado nada. Pior: Sem medo de serem fiscalizados (com razão pois há tempo não há notícias de uma fiscalização ambiental do Estado no cerrado), os desmatadores aplicam as DASVs até em áreas com grandes quantidades de madeira.  Pelo levantamento do IBAMA, somente neste ano de 2012 já foram desmatados 48.000 hectares de cerrado natural, na base da tal de DASV. No município de Formosa do Rio Preto, a moda pegou mais firme ainda: Nada menos do que 90% dos desmatamentos fiscalizados está sendo baseados em DASVs. Muito provável que o desmatamento acima citado se enquadre neste esquema (talvez o presente grito sirva para uma verificação da legalidade deste desmatamento).

Depois de levar suas verificações ao conhecimento do Estado da Bahia, o IBAMA esperava que todas as DASVs fossem anuladas até que for providenciado mais controle sobre o uso deste instrumento. Qual é!  Parece que o Estado se dê satisfeito com o ganho de agilidade burocrático que as DASVs proporcionam aos processos de licenciamento. Pelo visto, dá pra desconfiar que a subserviência aos interesses econômicos fale mais alto do que a preocupação com a conservação do bioma, mais uma vez. Pelas previsões do IBAMA, os próximos índices de desmatamento nos municípios do oeste baiano serão ainda mais chocantes do que os até então verificados.

Finalizo meu grito com mais uma fotografia tirada no dia 11 de setembro de 2012, Dia Nacional do Cerrado, no gerais de Formosa do Rio Preto:


Considero o retrato como expressão do cinismo frente à questão ambiental no cerrado, correspondendo à seguinte mensagem: Eliminamos tudo o que tinha antes. Mas alertamos a todos que não mexam com o nada que ficou.


Martin Mayr
Agência 10envolvimento – Barreiras – BA

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