segunda-feira, 19 de novembro de 2012

RIO DO POVOADO TODOS OS SANTOS DESAPARECEU, ELE ERA AFLUENTE DO RIO BOA HORA



Rio Chibel do Povoado Todos os Santos secou

...No tocante à bacia do Rio Munim, um caso extremo constatado durante o trabal de campo, no município de Urbano Santos, diz respeito ao desaparecimento por completo do Rio Chibel, localizado no povoado Todos os Santos. 

O referido rio fazia parte da microbacia do Rio Boa Hora, por sua vez pertencente à bacia do Rio Munim, que tem como afluente principal o Rio Mocambo. Esta microbacia possui uma área de 58.812,64 hectares, com um percurso de 42 km de extensão do seu rio principal desde a nascente, no povoado Seriema, à sua foz na zona urbana de Urbano Santos (CONCEIÇÃO FILHO; LEMOS, s/d, p. 3 - 4).

Este recurso hídrico se constituía em importante fonte de sobrevivência para os moradores e, segundo os informantes, começou a perder seu volume hídrico, até secar totalmente, a partir da década de 1980, mais especificamente no ano de 1983, coincidentemente, na mesma época em que se iniciaram os plantios de eucalipto no referido povoado, exatamente à montante de suas cabeceiras, pelas então empresas JS Florestal e Plantar.

Considerando a devastação e extinção dos recursos hídricos, tomou-se o caso de Todos os Santos como situação limite, para demonstrar os estragos ambientais provocados no município de Urbano Santos e os dramas sociais deles decorrentes.

A este respeito, afirma um dos entrevistados nesse povoado:
E - Nós... nós tinha uma lagoa muito grande chamada Baixinha, essa lagoa dava muito peixe, onde todo animal bebia. Aí eh... ela... essa lagoa tava lá, aí o pessoal tava pescando, o pessoal foram pescar. Aí eu disse: ‘você sabe de uma coisa, pra vocês, vocês nunca mais pescam mais naquela lagoa! Adeus para sempre!’ Ta aí... peixe, traíra que dava de quilo e meio, dois quilos.
P – Muito?
E – Muito peixe. Tem gente que pegou foi de paneiro de peixe. E foi... até hoje ta levantando poeira, quando dá no verão levanta poeira. Nunca foi água mais pra lá. E nem nos final das casas ali é difícil ir água.
P – Mas é por que... eles interromperam a água?
E – Que eles interromperam a água. Deixaram o baixão... deixaram... não deixaram nada no baixão! Eu mostro pra vocês, eu mostro tudo. Olha, só aqui em Urbano Santos tem Baixa das Palmeiras, que tem lagoa lá que era lagoona que ainda batia bem nisso aqui da gente [ mostra a altura da cabeça], eu passava nadando. Hoje ta seca. Aquele riacho que bem acolá assim, vocês passaram por ele, lá nós passava nadando de primeiro. Hoje, não tem mais nada.
(...)
E – (...) Eu posso amostrar o riacho ali, bem aí tem um riacho aí, aonde botava puba de molho, bem ali... de primeiro, quando não tinha tanque, botava puba bem ali e tal ... só se você vê: seco, seco! Secou... as plantas aqui...o... aqui o buriti, tudo no seco, não tem peixe, tudo no seco. Ontem eu saí aqui, fui até lá em baixo, só tem umas lagoas lá em baixo, acolá. O resto! Chegava, eu batia assim o pé na beira da água... hoje não cria nem peixe.
(...)
E - E hoje lá ta tudo aterrado. Ontem eu passei...eu passei ontem no... como eu tava lhe falando, eu passei lá na Baixinha, olhando tudinho, observando tudo o que já foi aqui, a água aqui, pescava aqui, hoje não tem ... já ta só... só terra! Não tem água, mas da Taboca não tem água, mas tinha, não tem água. Pausinho não tem água. Baixo das Palmeiras não tem água. É cabeceira do rio lá de Urbano Santos [Rio Boa Hora].
(...)
E - Bem daquele riacho é um galho [um braço], vai pra lá pra Baixa das Palmeiras e vai pra banda da Taboca. Lá dentro tem outro galho [ braço] que vai pra Baixinha e vai pra ... Taboca. Lá adiante tem outro galho que vai pra o Pauzinho. E tudo era cheio de água, e, tudo era cheio de peixe. Aqui tinha muita fartura. Era uma beleza (...) Era um sonho! Era um sonho, hoje não tem mais...
Além de plantar eucalipto nas cabeceiras dos rios e riachos, as terceirizadas da Suzano desviam a água desses corpos hídricos de seu curso normal, fazendo com que seja dirigida a seus plantios, problema apontado em mais de um povoado. Conforme o depoimento do entrevistado:
E – A destruição aqui é grande. Faz calombo no meio da estrada... eles faz que é pra água não descer no riacho, só desce, só fica lá dentro [do eucaliptal].
P – Desvia a água?
E – Desvia a água e faz calombo no meio da estrada, faz calombo. Aquela água que vem de lá pra cá.
P – Mas é de propósito?
E – É! Ele faz de propósito, eles faz aqueles calombo no meio.
P – Pra água ir pra onde eles querem?
E – Ir pra onde eles quiserem, lá pra dentro do eucalipto. Que os eucalipto são daqueles...que consomem muita água, muita água demais...
Caminhando com os entrevistados, marcando pontos de GPS e filmando a conversa, os pesquisadores colheram outro depoimento, no mesmo sentido:
P: Qual era o nome desse riacho aqui?
E: Esse aqui? Esse aqui se chamava Chibel. (...) em oitenta e dois o rio começou a secar (...) que foi a chegada da [empresa] Florestal...
P: Mas esse rio ele fornecia peixe?
E: (...) Peixe. Muito peixe. Peixe com fartura. Nós passava aqui... nós botava um cocho[canoa] e atravessava de um lado pra outro...
P: E hoje ele se encontra desse jeito...
E: E hoje ele se encontra nessas condições...
P: Mas você acha que isso é devido a quê?
E: É devido ao eucalipto (...). Ele que faz isso aqui, é o eucalipto. (...). Só pra cá tem três cabeceiras desse riacho aqui e tão todos os três desse jeito. Tem Pauzinho mais a Taboca, tem Baixinha, tem a cabeceira do Baixo das Palmeiras. (...) Aqui é onde eu pescava, que eu tava contando pra vocês. Aqui é aonde eu vinha. A mulher fazia o almoço... fazia o almoço, mas não tinha mistura, eu vinha pescar aqui, pegava o peixe com a mão, parece uma mentira mas é verdade, pegava peixe com a mão...
P: Secou tudo?
E: Secou tudo. Daqui pra frente vocês tão vendo aqui... daqui pra frente esse riacho pegava de um lado a outro aqui, de um lado a outro, todinho de um lado a outro. Olha aí, ta tudo seco! Aqui nós passava, a água passava... agora ta tudo seco, tudo seco. Só tem muita água aqui porque choveu. Outro dia passei aqui tava sequinho....
P: Isso tudo você associa ao plantio de eucalipto?
E: Ao plantio de eucalipto. Porque não tem as cabeceiras, não vai mais água pras cabeceiras e não pode mais descer água pro riacho...
P: As cabeceiras desse rio ficam na chapada?
E: Fica na chapada, na chapada...
P: Onde ta sendo plantado o eucalipto...
E: Onde ta sendo plantado. Eu peguei peixe na chapada! (...) quando chovia eu ia pegar peixe na chapada, ficava aquele poço de água, a gente subia pra chapada e ficava, aí no riacho ficava muito peixe, hoje não tem mais nada...
P: Nem lá e nem aqui...
E: Nem lá e nem aqui, não tem mais. Vocês tão vendo aí a largura que era o riacho aqui...

A fartura de peixes e a abundância de água desse corpo hídrico contrasta com o que os pesquisadores observaram e filmaram. Conforme explica o entrevistado, de acordo com a época do ano, as águas do rio adentravam as chapadas e, conforme baixavam, permanecia uma lama. O entrevistado se guiava pelas borbulhas que os peixes faziam e, metendo sua mão, conseguia agarrá-los e assim prover o alimento para a família rapidamente. Percebe-se, assim, o quanto a dieta dessas famílias foi comprometida com o secamento desse rio e o quanto sua vida tornou-se mais difícil, passando elas a depender, agora, da compra de alimentos industrializados e, portanto, de entradas monetárias fixas, seja de salários ou de aposentadorias/bolsas. O contraditório nesta situação é que produtores de alimentos autônomos, passaram a depender de auxílios governamentais para poder sobreviver. Neste caso, esses empreendimentos produzem a miséria e não o que chamam de desenvolvimento.

Observe-se, no mapa ao lado, o destaque em vermelho para o que seria o curso desse rio, no povoado Todos os Santos. Para tal representação, utilizou-se como referência uma carta da Diretoria de Serviço Geográfico (DSG), do município de Urbano Santos, de 1977. 

A escolha desta base cartográfica deu-se justamente por sua antiguidade e detalhamento. Como se percebe, os recursos hídricos aí aparecem com grande riqueza de detalhes, dos rios principais a seus afluentes e subafluentes. Desse modo, por meio da marcação de pontos de GPS no referido rio, a partir da indicação dos moradores, foi possível localizá-lo nessa base cartográfica.

Fez-se, ainda, a representação de plantios de eucalipto existentes no povoado, destacados no mapa em verde, igualmente com base em alguns pontos de GPS marcados nesses locais. Menciona-se que em Todos os Santos há várias outras plantações da espécie em questão e se decidiu por representar somente estas pelo fato de estarem, conforme depoimento dos moradores, situadas próximas às principais cabeceiras do Rio Chibel e, portanto, responsáveis diretamente por sua extinção.

Observa-se, a partir do mapa, que se tratava de um rio relativamente extenso e, como mostrado no depoimento acima, expressivamente largo e piscoso. Um dos motivos para ter secado por inteiro, está relacionado ao fato de os plantios de eucalipto terem sido realizados exatamente em suas principais cabeceiras, denominadas pelo entrevistado de Pauzinho, Taboca, Baixinha e Baixa das Palmeiras. De fato, segundo nos informa Lima (1993), a alta demanda de água da espécie (eucalipto) esgota a umidade do solo e destrói a descarga da água subterrânea, desestabilizando o ciclo hidrológico.

RECURSOS HIDRÍCOS EXTINTOS OU AMEAÇADOS DE EXTINÇÃO:
Bonfim
Entrevistados apontam a diminuição, a cada ano, do leito do rio que passa no povoado (afluente do Rio Preguiças).
Plantação de eucaliptos na nascente do rio, em local chamado Campineira.

Ingá
Os carros e tratores da Suzano deslocam-se pelo leito do rio que dá acesso ao povoado provocando aterramento.

Juçaral
A Lagoa da Onça, localizada na nascente do riacho que banha o povoado, está completamente seca e com extinção de sua fauna nativa. A diminuição de seu leito vem ocorrendo desde a devastação da vegetação, a cerca de 50 metros de suas margens, para implantação de campos de eucalipto. Segundo os moradores, era uma lagoa funda, que permanecia sempre cheia, e abrigava jacarés, sucurujus e variedades de peixes. O riacho também diminuiu sem volume. Duas grotas que atravessam o povoado – chamadas grota Pau D’Arco e grota Cedro- têm origem na pequena área de chapada restante, que está na iminência de devastação pela empresa para novas plantações de eucalipto.

Mangabeirinha
Redução do volume de água do rio e da única lagoa existente no povoado, chamada Lagoa de Mangabeirinha.
A construção de estradas pela empresa vem provocando o assoreamento da Lagoa. Em períodos chuvosos, a areia e detritos escoam para dentro da Lagoa assoreando-a. As famílias fazem barreiras para impedir esse processo, mas a ação da chuva provoca a destruição das barreiras.

Todos os Santos
Extinção dos corpos hídricos que servem o povoado e de sua fauna nativa. Os entrevistados afirmam que utilizavam os corpos hídricos que servem o povoado ou estão próximos e que, nos dias atuais, não encontram mais água denominando essa situação como sequidão. A alternativa encontrada é o uso da água de poços dos quintais, mas que não é considerada boa para consumo.
Desaparecimento do Rio Chibéu.
Desaparecimento da Lagoa da Baixinha e de sua fauna nativa.
Desaparecimento das nascentes de três riachos – Pauzinho, Taboca e Baixinha.
Desaparecimento da chamada Baixa das Palmeiras, local próximo ao povoado onde fica a nascente do Rio da Boa Hora e onde, atualmente, existem plantações de eucalipto.
Aterramento da Lagoa das Cajazeiras.
Desaparecimento de local utilizado para banho das famílias chamado Baixa Seca.

Trecho do relatório de pesquisa "CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO LESTE MARANHENSE, problemas provocados pela atuação da Suzano Papel e Celulose e dos chamados gaúchos no Baixo Parnaíba", de elaboração do Grupo de Estudos Rurais da UFMA sob a coordenação da antropóloga Profa. Dra. Maristela de Paula Andrade.

Um comentário:

  1. Bom dia,
    Seu blog foi mapeado como um importante ator na rede que monitoro em minha pesquisa de doutorado “As redes ambientais na internet e a gestão da natureza”, da Escola da Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
    Será que você pode fazer a gentileza de responder a este breve questionário online? https://www.surveymonkey.com/s/YS7NSFP
    Sua participação é muito importante para minha pesquisa, agradeço de antemão e posso esclarecer qualquer dúvida se precisar.
    Atenciosamente,
    Débora de Carvalho Pereira
    deborapereira.blog.br
    debcarpe@gmail.com

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