sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

“Nosso sonho é a reserva extrativista para garantir uma vida digna”, diz quebradeira de coco




Após anos de muitas lutas, as quebradeiras de coco babaçu hoje vendem seus produtos até para outros países, como Itália e Estados Unidos. Para conhecer melhor essa história, conversamos com Maria Nice Machado, da coordenação regional do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), no estado do Maranhão. Ela também integra a coordenação do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e da Associação das Comunidades Negras Quilombolas.
Na entrevista ela conta os principais desafios das quebradeiras de coco, e aponta algumas iniciativas que melhorariam as condições de vida dessas trabalhadoras. A criação de reservas extrativistas (Resex), em sua opinião, é a principal solução dos problemas. O apoio na logística da produção, como o transporte dos frutos, também é outro desafio enfrentado pelas extrativistas. Conheça a seguir a história, reivindicações e propostas das quebradeiras.
Qual a região de atuação das quebradeiras do coco babaçu?
O MIQCB está em quatro estados (Pará, Maranhão, Tocantins e Piauí) e seis regiões. Temos 24 coordenadoras: cada região tem uma assessora, sendo que no estado do Maranhão fica a coordenadora geral e a assessora técnica. Começou a ser criado só por mulheres em 1979, quando houve o maior despejo das comunidades e devastações dos babaçuais. Nos sindicatos, igrejas e movimentos não estava incluída a extrativista, a quebradeira, como cidadã. Resolvemos criar o movimento, que começou pelo Mearim, uma região do Maranhão. Fizemos um seminário com 300 participantes, e em 1990 a gente resolveu criar a articulação de mulheres nos quatro estados. Para ganharmos força ou conseguirmos um projeto, bolsa e documento, passou a ser jurídico. Hoje somos 400 mil quebradeiras em sindicatos, associações, movimentos, mas tem aquelas que ainda não estão em entidades.
O movimento tem como primeiro passo a questão ambiental das palmeiras, porque a devastação não é só do babaçu mas de toda a floresta. Hoje já temos a Lei do Babaçu Livre, então as quebradeiras já pegam com mais facilidade. Essa lei garante aquele babaçu que está dentro da fazenda e não serve ao fazendeiro. O problema é que ele não deixa a gente apanhar, bota cercas elétricas, portões, e lá ninguém entra. Não queremos nada com a terra do fazendeiro, mas o babaçu não serve para ele e é uma riqueza natural que as quebradeiras pegam para tirar o seu sustento.
Essa lei foi criada há quantos anos?
Acho que foi por volta de 2004. Teve muita luta para ela entrar em vigor, muita morte no movimento das quebradeiras. Começou no Lago do Junco, no Maranhão, e logo depois mais dezoito fizeram a lei. Onde eu moro, no município de Belagua (MA), a gente tinha o projeto de criar Resex em toda a área da baixada. Com isso não precisa da lei, porque ela só dá o direito a buscar o babaçu: continua entrando na porteira como vaca, corre o risco na cerca elétrica, de se rasgar, uma cobra morder ou uma vaca vir para cima. A Resex é diferente, preservaremos a nossa terra e evitaremos essas coisas.
Além do coco essas palmeiras são usadas para mais alguma coisa?
A área das palmeiras tem recursos naturais e ninguém pode entrar. A madeira, que a gente usa para cobrir as casas e outras coisas importantes, eles tiram. Com a lei do babaçu a gente briga também pelo extrativismo, porque tiramos um monte de coisas do coco, hoje já sabemos fazer o sabonete e uma série de coisas que nos ajuda no dia a dia. E o babaçu é uma das riquezas naturais que até hoje não tem nenhuma árvore para substituí-la.
Quanto gera de renda para uma quebradeira de coco a extração do babaçu?
Quando a gente quebrava só a emenda tínhamos um lucro muito mais baixo, porque só vendia o quilo para o atravessador. Hoje algumas de nós trabalhamos com a forrageira também. Na minha comunidade, por exemplo, temos uma pequena indústria que faz 20 mil sabonetes por mês e só não faz mais porque não tem mercado direto. Fazemos também 20 mil kg por mês de óleo, então já temos uma indústria na associação para dar um resultado maior. Temos ainda uma cooperativa interestadual dos quatro estados, que são 28 grupos de produção, e ela vende os produtos para os outros mercados.
nice com produtos
Vendemos para poucas fábricas, e compramos por um preço mais caro que o do atravessador. A cooperativa compra da quebradeira, e elas trabalham na fábrica fazendo o óleo e o sabonete. Pagamos as despesas da cooperativa e o lucro é dividido entre as quebradeiras. Às vezes a gente faz uma venda boa e tira por semana R$ 100,00 para cada quebradeira, então dá uma média de R$ 400,00 por mês de lucro. Mas ainda não temos o capital de giro e um caminhão para ir às comunidades. Fizemos um levantamento de 120 mil toneladas por mês, mas falta o capital para conseguir um projeto que compre o coco de todas as quebradeiras: nosso sonho é esse. Fizemos um projeto para conseguir um caminhão, porque a carroça no máximo vai 10km, e as comunidades não são perto. Nosso maior problema é a falta de capital de giro para comprar o coco delas, e o caminhão para transportar a produção da quebradeira.
O coco babaçu dá direto ou é sazonal?
Ele cai todo tempo a partir de agosto até o mês de janeiro, e nos outros meses é a entre safra que cai muito menos. Quando a gente quebra 15 kg no verão, no inverno a gente quebra de 5kg a 8kg porque o coco é molhado e escorrega, além de cair menos.
Como é a relação dos quilombos com as quebradeiras do coco?
A gente se articula com a titulação das fazendas que tiveram os escravos avós da gente, e continuamos morando lá. Tem lugar que o engenho velho funciona ainda, e temos respeito por algumas pessoas que trabalharam e não receberam nada. Criamos o movimento para defender esses direitos. Essas pessoas se auto definem como negras e afrodescendentes de escravos, consideram suas culturas e tradições. Lutamos por um documento que comprove tudo isso, a gente briga por essas indenizações através da terra, da moradia, educação de qualidade, saúde digna, uma cota para nossos filhos chegarem até a universidade.
E como está a disputa dos quilombolas hoje?
Passamos por muita dificuldade, as pessoas que você mais vê sem a terra são os quilombolas. Temos 60 territórios nacionais e não foi desapropriada uma área demarcada, nenhuma! Reserva até agora só tem uma no Maranhão. Então é uma luta muito importante que a gente nunca deixou, porque todas as áreas quilombolas são preservadas, temos um respeito muito grande com a natureza. Nossas escolas são de péssima qualidade, as mesmas do pescador, do agricultor familiar, etc. É uma coisa ainda muito triste, precisamos dessas áreas tituladas, regularizadas, demarcadas, para que a gente possa ter uma política pública. Para adquirir um direito hoje você tem que ter terra, então a gente se sente a pior pessoa do mundo.
E a participação das quebradeiras no Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)?
Participamos desde a fundação do CNS, porque o passo principal é a criação das Resex. É uma entidade chave nesse sentido. Achamos que se não tiver a terra, floresta e água ninguém vive. A Resex dá segurança de vida, da floresta em pé, preserva e produz. É para a gente morar dentro, é o direito maior da terra. Defendemos o babaçu dentro dessas áreas e não na dos outros. Eu moro numa Resex quilombola, mas não é demarcada: dão o título mas não resolve o problema. A convivência com os fazendeiros é muito ruim, tem lugares que a gente não entra porque tem cerca elétrica, precisa saber os dias que eles estão lá, etc. Mesmo sendo áreas quilombolas não saem de dentro, são perversos. Botam pistoleiros para a gente não entrar, e ameaçam. No mês de julho mataram um companheiro, porque um fazendeiro está perdendo parte do seu território. Está há três anos com um documento, e já se acha dono de uma reserva quilombola que tem mais de 200 anos. No Maranhão o Incra tem muita culpa nisso: não dizem o tamanho da área e mesmo dando o título os fazendeiros ficam. Um dos maiores pistoleiros e latifundiários é o governador. A Roseana Sarney tem fazenda em quase todos os municípios, tem fazenda de até 150 mil hectares, é um negócio muito sério. Então o nosso sonho é a reserva para garantir uma vida digna para a gente.
(*) Entrevista reproduzida da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Assista aqui um vídeo produzido pela ANA sobre as quebradeiras.

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