segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Monocultivos de Eucalipto e Florestas: Conceitos Inconciliáveis

por Wagner Giron de la Torre
As empresas nacionais e transnacionais cingidas ao setor de produção de papel e celulose investem muito na vã tentativa de consolidar a imagem do monocultivo do eucalipto como sendo florestas plantadas, no claro intento de escamotear os severos e até hoje imensurados impactos socioambientais defluentes da escala oceânica da expansão irrefreada dessa espécie monocultural no território nacional, já presente em vários estados  como Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Maranhão, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul dentre outros.
Essas “florestas plantadas” – não podemos olvidar – são formadas pelo cultivo de uma única espécie exótica (o eucalipto), a partir de formas clonais das espécies Eucalyptus grandis e Eucalyptus uropphylla, e implantadas sobre biomas como  Mata Atlântica, Cerrado Floresta Amazônica e Pampa através da incidência massiva de pesticidas químicos à base de glifosato, ou do formicida Mirex, à base de Sulfluramida, dentre outros agrotóxicos, a fim de eliminar a presença do que os gestores dos manejos denominam de “ervas daninhas”, matinhos rasteiros, formigas e outros elementos naturais potencialmente nocivos ao esperado desenvolvimento das clonadas mudinhas, em processo tecnicamente conhecido como capina química.
O eufemismo subjacente à eucaliptização de vastas regiões do país não leva em conta as conseqüências do lançamento indiscriminado da larga carga de pesticidas no solo, assim como a FAO, braço das Organizações das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, não considerou essa importante questão ambiental quando, por influência mercadológica das corporações que enriquecem com a produção de celulose no hemisfério sul, passou a considerar florestas como terras com superfície superior a 0,5 hectares com árvores de mais de 5 metros de altura e com cobertura de copa de mais de 10 por cento, em conceituação rasa urdida sob o indisfarçável viés de albergar, na terminologia oficial da ONU, o monocultivo industrial do eucalipto como “florestas”, para todos os efeitos legais, inclusive para formalizar subsídios estatais ao setor silvicultural e possibilitar que as empresas ligadas ao segmento da agroindústria também conseguissem extrair lucros no famigerado mercado de crédito de carbono.
Embora a conceituação de floresta pela FAO seja mui conveniente para atender aos interesses mercantis das transnacionais que vicejam no setor industrial da produção de commodities de celulose, não há, do ponto de vista científico, como aceitar-se que o cultivo de uma única espécie, no caso o eucalipto, com tempo escasso de corte (em média de 6 a 7 anos a partir do cultivo da muda clonada) e que só se desenvolve, de maneira tão espevitada, por conta da incidência de toneladas e toneladas de pesticidas químicos e adubo sintético no solo que a abriga, possa ser aceito como floresta.
É que o eucalipto – como toda e qualquer monocultura semeada nas artificialidades dos laboratórios das grandes corporações – não interage com a natureza. Nele não há possibilidade alguma de existir vida, intercâmbio natural, cadeia alimentar a permitir a sobrevivência até mesmo do mais rasteiro dos insetos.
As espécies exóticas implantadas em milhões de hectares contínuos pelo país afora são, no limite, mercadorias direcionadas ao mercado agroexportador, conformadas em um ciclo curtíssimo entre o cultivo das mudas e o corte das árvores, lapso esse que não suplanta os seis a sete anos. Nesse ínfimo espaço temporal, espécie animal alguma pode desenvolver seu ciclo biológico de existência e reprodução genética.
Nos monocultivos comerciais de eucalipto não há a presença de diversidade biológica necessária para que o aglomerado de clones exóticos possam ser aceitos tecnicamente como florestas.
Dessa sensação resulta a imagem – tão bem lapidada ao tema – do DESERTO VERDE, concebida pela população rural afligida por seus negativos impactos.
Como nos lembra Américo Luis Martins da Silva, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio – 92), acordou-se, na letra g do item 9 da Agenda 21 que as florestas são essenciais para o desenvolvimento econômico e para a manutenção de todas as formas de vida”, vida essa impossibilitada face ao despejo estratosférico de largas quantidades de agrotóxicos a insuflar, como já explicitado, o desenvolvimento dessa modalidade monocultural.
Diante dessas precisas e exatas características subjacentes ao monocultivo do eucalipto, nos deparamos com relatos cotidianos da extinção da fauna e flora nas regiões já afligidas pela expansão, em escala industrial, dessa questionada eucaliptização, como, por exemplo, o histórico de degradação ambiental vivenciada nas áreas de cerrado, na região de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, exposto por MIECESLAU KUDLAVICZ, destacado pesquisador das severas alterações socioambientais decorrentes da implantação do pólo produtor da pasta de celulose naquela localidade, que nos conta “que um dos indicadores mais visíveis do desequilíbrio ambiental proveniente dos desmatamentos para implantação de pastagens e, mais recentemente, para plantio de eucalipto, é a presença de aves na cidade. A migração de papagaios, periquitos, tucanos e araras ocorre de forma mais freqüente a partir do final dos anos de 1990 e início dos anos 2000. Também é a partir deste período que os camponeses passam a sofrer ataques mais agressivos dos papagaios em suas lavouras de milho na Microrregião de Três Lagoas. (..) Ultimamente as aves estão invadindo os pomares dos camponeses e se alimentando de todas as frutas, inclusive de limão quando não encontram outro alimento. Esse fenômeno também se repete nos perímetros urbanos de outras cidades da região leste do Estado”.
Também no Vale do Paraíba Paulista há sucessivos relatos do campesinato sobre o êxodo de animais e aves, inclusive de onças e diversas outras espécies em extinção, que premidas pela perda de habitat, vivem a revirar os nichos de lixo das casas-sede das fazendas vizinhas às áreas de remanescentes de Mata Atlântica, estranguladas pela pressão do monocultivo, à cata de alimentos que já não mais podem acessar nos territórios naturais a cada dia aniquilados pela expansão, sem precedentes, dos implantes artificiais dessas monoculturas industriais.
É dogma inquestionável que as florestas tropicais, até mesmo por conta de imensa biodiversidade que as sustentam, encerram em si um sistema autorregulador de vida que alberga não só a fauna como a flora visíveis e principalmente a microfauna sedimentada em seu solo, construindo um sistema próprio de humificação que é absolutamente incompatível com a aplicação, em larga escala, de pesticidas químicos.
Portanto, afora os impactos ambientais visíveis decorrentes da escala industrial do monocultivo de eucaliptos, temos a extinção em massa de todas as bactérias, micro-organismos, insetos benéficos que são imprescindíveis no processo natural de fecundidade da terra e na retenção de carbono no solo.
Calha aqui, como luva, rememorarmos as lições emprestadas ao tema por RACHEL CARSON em  obra de justo prestígio que, a respeito do solo, sublinhou:
Há poucos estudos mais fascinantes, e ao mesmo tempo mais ignorados, do que esses a respeito das populações abundantes que existem nos reinos escuros do solo. Sabemos muito pouco dos laços que unem os organismos do solo uns aos outros e ao seu mundo, e ao mundo acima deles.
Talvez os organismos mais essenciais no solo sejam os menores – as hostes invisíveis de bactérias e de fungos filiformes. As estatísticas sobre sua abundância nos levam de imediato a cifras astronômicas. Uma colher de chá da camada superficial do solo pode conter bilhões de bactérias. (…)As bactérias, os fungos e as algas são os principais agentes da decomposição, reduzindo os resíduos vegetais e animais a seus componentes minerais. Os vastos movimentos cíclicos de elementos químicos como o carbono e o nitrogênio pelo solo e pelo ar, bem como pelos tecidos vivos, não poderiam acontecer sem essas microplantas. Sem as bactérias fixadoras do nitrogênio, por exemplo, as plantas morreriam por falta de nitrogênio, ainda que cercadas por um oceano de ar contendo esse gás.(…)Ainda outros micróbios do solo efetuam diversas oxidações e reduções por meio das quais minerais como o ferro, o manganês e o enxofre são transformados e se tornam disponíveis para as plantas. (…) Além de toda essa horda de criaturas minúsculas, mas que trabalham incessantemente, existem, é claro, muitas formas maiores, pois a vida que reside no solo vai das bactérias até os mamíferos. Alguns são moradores permanentes das camadas escuras abaixo da superfície; outros hibernam ou passam etapas bem definidas de seus ciclos de vida em câmaras subterrâneas; outros se deslocam livremente de suas tocas até o mundo da superfície. Em geral o efeito de toda essa ocupação do solo consiste em arejá-lo e melhorar sua drenagem quanto a penetração de água através das camadas onde as plantas crescem. Entre todos os maiores habitantes do solo, provavelmente nenhum é mais importante do que a minhoca. Mais de três quartos de século atrás, Charles Darwin publicou um livro chamado ‘The Formation of Vegetable Mould, Througth the Action of Worms, wth Observations on Their Habits’ (A formação do húmus por meio da ação dos vermes, com observação sobre os hábitos destes). Nesse livro, Darwin forneceu ao mundo a sua primeira compreensão do papel fundamental exercido pelas minhocas como agentes geológicos do transporte do solo – um quadro que mostrava as rochas de superfície sendo gradualmente cobertas pelo solo que as minhocas traziam das camadas de baixo, em quantidades que chegavam a várias toneladas ao ano por acre. (…) E isso não é, de modo algum, tudo o que elas fazem: seus túneis arejam o solo, conservam-no drenado e ajudam a penetração das raízes das plantas. A presença das minhocas eleva o poder nitrificante das bactérias do solo e diminui a putrefação do solo. A matéria orgânica é decomposta ao passar pelo aparelho digestivo dos vermes, e o solo é enriquecido por seus produtos excretados. Essa comunidade do solo consiste, então, em uma teia de vidas entrelaçadas, cada uma relacionada de alguma forma com as outras. (…) O problema que nos preocupa aqui é um desses que têm recebido pouca atenção: o que acontece a esses incrivelmente numerosos e vitalmente necessários habitantes do solo quando substâncias químicas venenosas são introduzidas em seu mundo? Será razoável supor que possamos aplicar um inseticida de amplo espectro para matar os estágios larvares subterrâneos de um inseto destruidor de plantações, por exemplo,  sem também matar os insetos ‘bons’, cuja função pode ser a essencial decomposição da matéria orgânica? Ou então, será que poderemos usar um fungicida não específico sem também matar os fungos que moram nas raízes de muitas árvores em uma associação benéfica, que ajuda a árvore a extrair nutrientes?
Não sem razão, portanto, que no interior dos vastos eucaliptais triunfa o silêncio, a ausência de vida, a arenização da terra, a inexistência de sub-bosques e o aprofundamento dos processos erosivos também insuflados pela construção, sem qualquer monitoramento ou controle pelos Poderes Públicos, de milhares de quilômetros de estradas de rodagem clandestinas, para facilitar o corte e transporte dos milhões de toretes que são transferidos, todos os dias, das áreas de implantes dos monocultivos para as industrias produtoras de pasta de celulose e papel.
Como observa Winnie Overbeek
um primeiro alerta é sobre a linguagem utilizada pelas empresas de eucalipto e celulose quando cheguem numa região escolhida por elas e começam a apresentar sua proposta à opinião pública. Estas empresas costumam falar que vão implantar ‘florestas plantadas’, ou seja, vão plantar florestas. Pergunto: tem como plantar uma floresta? É claro que não, a única coisa que podemos plantar são as árvores. Uma floresta como conhecemos no Brasil é muito mais do que um conjunto de árvores da mesma espécie. As florestas no país contam com uma rica biodiversidade de árvores, plantas e animais, uma capacidade de manter e proteger recursos hídricos e abrigar comunidades para as quais as florestas representam uma casa”.
Os eufemismos urdidos pela indústria agroexportadora da pasta de celulose para escamotear os severos e desmedidos impactos dessa lucrativa atividade industrial sobre o meio ambiente não podem ser recebidos pela sociedade sem qualquer senso crítico, não obstante a notória dissimulação em intitular um monocultivo sem vida com o rótulo de “floresta plantada”
Em aprofundado trabalho de pesquisa científica que produziu perante o Departamento de Geografia da USP e que lhe valeu o título de mestre nessa universidade pública, o professor GERSON DE FREITAS JUNIOR, considerando todos os elementos geomorfológicos e biotécnicos inerentes ao manejo do monocultivo do eucalipto no Vale do Paraíba Paulista, para fins de produção e exportação de pasta de celulose, sustentou, nestes precisos termos,  que não há como aceitar-se o aforismo mercantilista de serem, tais monoculturas, “florestas plantadas”:
(…)Assim, em um primeiro momento, considerando apenas o aspecto fisionômico, a predominância de árvores, a extensão e a altura das árvores, um cultivo agrícola de eucaliptos poderia ser classificado como floresta. Além disso, escolhendo-se a definição mais adequada, pode-se facilmente inserir os plantios de eucaliptos com fins comerciais na condição de florestas. Entretanto, a argumentação contrária, presente neste item, baseou-se em critérios diferentes das definições, de forma que para que uma formação florestal possa ser designada como tal, seja necessário considerar parâmetros mais amplos, menos relacionados com a fisionomia das formações vegetais e mais relacionados às relações ecológicas entre biota e o ambiente.
Por isso, nos parágrafos a seguir, foram considerados outros parâmetros para defender a tese de que cultivos de eucaliptos não constituem florestas. Os plantios de eucaliptos para fins comerciais têm semelhança muito maior com outros tipos de cultivos agrícolas do que com formações florestais.
Embora existam grandes florestas de eucaliptos na natureza, elas são muito diferentes dos cultivos para fins comerciais existentes no Brasil. Ao contrário de florestas, os cultivos de eucaliptos para fins comerciais fora da área natural de distribuição, apresentam as seguintes características:
I dependência da supervisão e manutenção humanas para manutenção dos processos ecológicos.
II Distribuição linear dos espécimes arbóreos.
III Mesma idade dos espécimes arbóreos, principalmente quando os indivíduos são clones.
IV Incapacidade de se reproduzir.
V Ausência de história evolutiva integrada ao sistema geoecológico ao qual está relacionada.
VI Ausência de regeneração natural.
VII Não ocorrência de predomínio de espécies nativas do local de ocorrência do conjunto arbóreo em questão.
Apenas a existência de um extenso agrupamento de árvores, com altura mínima determinada, não é suficiente para configurar um sistema florestal. Floresta é um tipo de formação arbórea complexa e variada, com flora, estrutura e fisionomia adaptadas ao relevo e ao clima, capaz de se reproduzir e se manter por meios naturais (inclusive interagindo com a fauna), com distribuição irregular e aleatória dos espécimes arbóreos, apresentando sucessão ecológica natural.’(…)uma floresta pode se regenerar naturalmente, se houver fontes de sementes viáveis (o que não ocorre com cultivos agrícolas), como aquelas que permanecem dormentes no solo (bancos de sementes) ou produzidas por árvores remanescentes (chuvas de sementes)’ (ADLARD, 1993, in LEÃO, 2000, pag. 84).
Esses parâmetros não são encontrados em cultivos agrícolas de eucaliptos ou de outras árvores. Por isso, considera-se incorreto e enganoso, utilizar o termo florestas plantadas para designar plantios de eucaliptos. Os partidários do termo florestas plantadas como forma de designar cultivos de eucaliptos utilizam essa denominação com o intuito de esconder a natureza agrícola destes empreendimentos, tentando relacioná-los a práticas ecologicamente corretas e conservacionistas, sob a justificativa de que estão ‘plantando florestas’, mas na verdade, os cultivos de eucaliptos são agronegócios.
Além disso, afirmam, de forma reducionista, que uma floresta se define pelos serviços ambientais que ela proporciona, como captação de CO2, minimização de processos erosivos e interceptação das chuvas, além dos produtos que pode fornecer, como a madeira, por exemplo. Contudo, este pensamento relaciona a condição de existência de uma floresta a uma simples questão de funcionalidade.
Os serviços ambientais proporcionados por uma floresta estão relacionados à sua existência e não a existência da floresta aos serviços ambientais que ela presta!
Ao contrário dos cultivos agrícolas de eucaliptos, pode-se citar um exemplo real de floresta plantada, que é a Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro-RJ. Mesmo contando com espécies exóticas em seu conjunto, embora não sejam predominantes, e tenha sido alvo de um grande projeto de reflorestamento no século XIX, esta floresta apresenta as características anteriormente citadas. Após os replantios, a flora da Floresta da Tijuca continuou a realizar os  processos ecológicos naturais, como a reprodução, independentemente da intervenção humana direta. A gestão da floresta na forma de Unidade de Conservação é diferente da manutenção de característica agrícola. (…) Quando o eucalipto é plantado com objetivo comercial, geralmente em grande escala e de forma intensiva, para fornecer matéria-prima para as indústrias de papel e celulose, construção civil ou siderurgia, trata-se de silvicultura.
O termo reflorestamento aplica-se ao plantio com espécies variadas preferencialmente nativas, com objetivo de recompor uma área originalmente florestada.
Resta evidenciado que a falácia fomentada pela indústria de papel e celulose de que seus monocultivos comerciais são “florestas plantadas” não possui fundamento algum nos contextos científico e, principalmente, ecológico, cingidos à questão, não passando de mais uma propaganda enganosa,  fruto do conhecido greenwashing tão comum no meio industrial, em específico, na seara capitalista do agronegócio, que semeia lucros estratosféricos às custas do exaurimento, impune, dos mais variados ecossistemas.

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