sábado, 14 de dezembro de 2013

A pistolagem não é um crime solitário


A pistolagem não é um crime solitário. Ela não surge de repente na cabeça de um sujeito qualquer disposto a tudo para satisfazer seus instintos. Ela não é uma obra poética em que o autor perde suas noites. A poesia nem chega perto onde há pistolagem. Dizem que no Maranhão se escreve e fala-se o melhor português. Batizou-se essa assertiva com o orgulho de uma elite para a qual bastava educar seus filhos no único colégio de qualidade de São Luis enquanto a maior parte da população se mantinha pobre e deseducada. “O melhor português” era falado por menos de 1% da população do Maranhão. Para quem escutava, “o melhor português” soava limpo. A elite maranhense, através da educação, limpava-se dos “vícios” das camadas populares.   A pistolagem é a forma que essa elite encontrou de fazer limpeza social em locais e em situações nos quais os meios jurídicos não respondem rapidamente ou não respondem de um jeito que lhe agrade. O que agrada uma elite, ainda mais uma elite escravocrata e predatória como a maranhense? Agrada que seu comportamento e suas ideias sejam engrandecidos. As obras literárias que a elite maranhense reverencia, geralmente, sonegam informações sobre o passado escravocrata e violento dessa mesma elite. O Mulato, escrito por Aluizio de Azevedo no final do século XIX, é o grande romance maranhense e depois dele mais nada. A disputa politica também se dá no campo estético e a elite maranhense prefere que uma obra como “O Mulato” não seja atualizada em sua critica. Direciona-se o investimento público na construção de um discurso que impeça a critica ao escravagismo e ao latifúndio de aflorar. “O melhor português” tem esse papel. Quem fala “ o melhor português” é gente branca que administra o Estado e suas ramificações no cotidiano das pessoas. Não se estranha, portanto, que um juiz como o de Chapadinha faça vista grossa aos pistoleiros contratados pelo proprietário da fazenda Tiúba para expulsar famílias de agricultores familiares de sua terra. Ele conhece “o melhor português”, aquele que só os brancos ricos entendem. Então, como escrito acima, a pistolagem não é um crime solitário. Ela precisa do juiz que orienta o proprietário da fazenda Tiuba numa conversa particular. Ela precisa do proprietário que a contrata. Ela precisa da prefeita de Chapadinha que pretende comprar a terra para retirar areia da calha do rio.

Mayron Régis

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