quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Comunidade questiona compra de terreno de assentamento do Iterma para construir porto privado

“O seu Joca, por exemplo, tem o terreno com mais de 160 metros e um dos filhos dele, o que mora numa casa de taipa, começou a construir uma casa de alvenaria no outro do limite do terreno. Foi lá que eles (os vigias da WPR) entraram, cortaram o arame e colocaram a área como deles”, foi um das denúncias feitas ao deputado estadual Bira do Pindaré (PSB) durante visita do socialista à comunidade do Cajueiro. Relatos e questionamentos não param nesta denúncia e comunidade rebate todas as justificativas e explicações da empresa.

Os moradores, que se organizaram em manifestação no último dia 15 de outubro, voltaram a relatar truculências por parte da WPR, empresa que pretende construir um porto privado em parte do território da comunidade do Cajueiro. Moradores afirmam que a empresa assumiu postura opressora não apenas contra os líderes do movimento, mas contra todos os moradores que desejam ir até a praia, mangue ou sítio vizinho. De acordo com relatos de uma antiga moradora, a WPR chegou a colocar um portão e placas com o intuito de intimidar as pessoas.

“A gente mora aqui há mais de 30 anos, possui documento comprovando propriedade de terra e eles colocam jagunços para tentar tomar o que é nosso por direito e por lei. É revoltante! Eles querem colocar em nossas cabeças que nós somos os invasores e eles os proprietários”, protestou.

A comunidade afirmou também que não entende como a WPR pode ser dona de terras que faz parte de assentamento e, mais, como é que pretende construir um porto em local de criação da Reserva Extrativista Tauá - Mirim.

“Essa terra é área de assentamento, um assentamento do ITERMA. Então, nós não estamos entendendo como é que eles compraram uma área de assentamento. A gente sabe que as pessoas podem até vender a área de moradia, mas o local de trabalho, de plantio, a roça fica fora da negociação, o que inviabilizaria esse mapa com área continua. Como é que eles compraram e continuam comprando área de assentamento do ITERMA? Por que o governo não vem explicar para nós como é que eles vão permitir a construção de um porto em reserva extrativista”, questionou um dos moradores.

No último dia 16 de outubro a WPR solicitou uma reunião com o deputado Bira do Pindaré como resposta ao pronunciamento que o socialista fez no dia anterior sobre assunto. Na oportunidade, apresentaram um mapa da área e alegaram que, além do terreno não fazer parte da reserva extrativista, a WPR teve o cuidado de mandar equipe antes, estudar as condições do terreno e pesquisar sobre a situação da comunidade e contabilizaram apenas 31 famílias na área de interesse da empresa.

Segundo eles, o objetivo da empresa era construir uma Vila com escolas e igreja, mas a proposta foi recusada pela comunidade. Eles disseram que os moradores que venderam as propriedades preferiram escolher uma casa em bairro mais urbano ou receber o dinheiro para comprar a casa sem a intermediação da empresa.

Ainda conforme explicação dos representantes da empresa, a WPR teve o cuidado de dar toda assistência necessária para a comunidade, providenciando a mudança segura dos moradores para as novas casas, a garantia de um terreno para plantio – mesmo afastado da nova residência, além de outros auxílios, dependendo do caso.

Uma ex moradora confirma que a empresa prometeu casa, trabalho e, inclusive, tratamento de saúde. No entanto, afirma que após o pagamento e demolição da casa, a empresa não cumpriu os outros pontos do acordo. “Eu tenho problemas de saúde, eles me prometeram tratamento, mas depois que vendi a casa nunca mais retornaram meus contatos. Estou sem dinheiro para comprar meus remédios e sem ter onde plantar. Comprei uma casa que não vale o terreno da minha. Eu só vendi porque não tinha mais jeito”, revelou.

Segundo o advogado Rafael Silva, assessor jurídico da CPT, a Defensoria Pública do Estado trabalha no caso de forma eficiente, questionando a tentativa de esbulho de posse e coação contra os moradores tradicionais do Cajueiro. “Há um título de propriedade condominial registrado no Cartório de Registro de Imóveis em nome de mais de uma centena de famílias que foram regularizadas pelo ITERMA desde o final dos anos 1990 e entregues pela governadora da época, Roseana Sarney (PMDB)”, informou ele.

Conforme os documentos, as casas pertencem aos respectivos proprietários/moradores, mas os terrenos para cultivo de plantas e criação de animais, geradores do sustento das famílias, pertencem ao ITERMA e se trata de área de assentamento. A venda é proibida.

“Onde eles conseguiram formar esse mapa para dizer que é uma área continua pode ter é um indicio de fraude, porque as pessoas não vendem a roça, não vendem a terra de plantar a macaxeira, o coentro, o alho. Os que venderam, venderam apenas a casa, que era o local de moradia”, apontou um morador com quase 30 anos de residência no Cajueiro.

O morador frisou também que as pessoas que venderam as casas foram pressionadas e que todas as famílias que fecharam negócio com a empresa receberam o mesmo valor, independente do tamanho do imóvel e melhorias na propriedade.

O território ocupado pela comunidade do Cajueiro tem pouco mais de 600 hectares. Hoje, haverá uma Audiência Pública na Câmara de Vereadores, solicitada pela vereadora Rose Sales (PCdoB), para tratar do assunto.

“A empresa tentou isolar a comunidade, enfraqueceu o papel da associação de moradores, tentou estimular a cobiça, forjando um quadro de que as famílias estariam diante de um fato consumado. Mas a realidade hoje é outra. As famílias tradicionais do Cajueiro se reergueram. Apropriaram-se dos direitos que lhe estavam sendo silenciados e hoje pisam a terra em que vivem sabendo que ali está sua identidade. É uma luta de Davi contra Golias. E agora eles não estão mais só”, concluiu o assessor jurídico da CPT.

*O nome das moradoras e moradores não foram citados por segurança. O mesmo cuidado foi tomado em relação aos representantes da empresa WPR.

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